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O Mundo É Um Moinho

Ainda é cedo, amor. O homem calhou de estar ali no momento – passou o passante a apedrejar palavras: cuidado! As estátuas também morrem… As ESTÁTUAS também morrem! Rosto roto, cínico. Mas a risada era da mais pura natureza humana. O bar ainda estava aberto. Se houvesse uma neblina ali que fosse, o Leitor suspeitaria ouvir também um blues lento, daqueles que empossam a mente, um ambiente de pouca claridade, escuridão engole mundos. O homem sentou a dor, baixou o braço e

– Me vê uma cerveja. Bohemia, se tiver.

Isso daqui não é América do Norte, porra. Ninguém sai por aí pedindo uísque no gelo. Se você quer neblina, vai catar ela lá na serra. Aqui o que dá o suspense é o calor, sufocante. O buxo baixo, com fome, o alimento sem animo de descer, o que resta é a cerveja gelada, gentil goela abaixo, Glória a dentro, graça ao pai. Tristeza não precisa de frio, não precisa de temperatura nenhuma. Ela só precisa de espaço: aqueles bem grandes, garagens vagas vazias da madruga, ou os buracos do viaduto, junto ao silêncio d’outras sombras, que procuram agasalhos não para se aquecer, mas para dar àquele cárcere em céu aberto mais aconchego. No meio de todos aqueles jornais amassados, alguém berrou, saiu de seu lugar. Olhem! Olhem todos! Era o Leitor que atravessava na esquina da outra rua, e uma a uma as sombras o seguiam com o olhar, era tão surpreendente. Tão jovem, tão besta, mal começava a conhecer a vida, não sabia das prosas e poesias que viviam marginalizadas pela catarse, ali, embaixo daquele viaduto, ao relento.

O bar fechou. Era hora da partida. Adeus, oh Esteves! Despediu-se o dono do Bar da Tarde. Esteves era o homem da tabacaria, aquele mesmo que morreria junto à estória. Ô, olho de peixe morto, aqui, ó! O Anúncio o chamava, estava naquele poste, logo ao lado do viaduto. Dizia: ganhe o mundo! Esteves riu. Há tanto tempo não trabalhava, não fazia nada. Só ainda não era um bicho, não era um Fabiano porque sabia ler. Mas ganharia o mundo do mesmo modo, sem rumo. Tirou o cigarro da algibeira e

– Ei, amigo! Você tem fogo?

Esteves foi rápido o suficiente para alcançar o Leitor, aquele com cara de amedrontado, aposto que estava perdido. Calma, não sou bandido, o personagem tentou se explicar. Mas o Leitor há enquantantos suporlia o suor do corpo, o negrume dos pulmões e as noites mal dormidas dos primeiros capítulos. Esteves carregava as farpas do passado, mas isso não dava motivo para olheituras cheias de pena e falsa compaixão. Cedeu, e lhe emprestou o isqueiro. Isso não é jeito de seguir a vida. Que saco, mais um Leitor chato e metido. Amigo, a estória já está escrita, Esteves entendia, porque não podia ele? Uma chapuletada forte talvez resolvesse, antecipou a mão à palavra e

– Preste atenção, querida!

Antes mesmo de ser o da Tabacaria, Esteves fora dono de sesmarias, sabia descer o punho como se fosse cortar a cana deixando cair pedraria. Socorro! Socourro! Ele se esperniçava espavorido, mas dificilmente sua palavra conseguiria impactar o papel co’a tinta. A tinta cairia, porém o Leitor já caíra antes, na esquina, emborrachando junto a suas sujas feridas. Para o Leitor, Esteves apenas admitia o seu não pertencimento ao novo século. Qu’era obsoleto, atravancado. Mal sabia ele que sua estória vivia graças a um leito eletrônico, repousando no monitor pulsante e multicampoplatafórmicovivaz. Oh, Esteves! O papel é agora mais ficção do que a estória. E, no entanto,

– Bom leitorzin, aqui tu num tem direito a fala. Desdenquando Leitor merece ser respeitado? Nunca vi. Se for, não é literatura, é outra coisa. É invencionamento.

Em pouco tempo, o Leitor já não seria mais o que é. De tanto punho, de tanto soco, de tanta raiva, de tanto ódio vivo na tela, a cara do Leitor ia aos poucos se deformando. Era feio. E feio tinha de ser. Esteves conseguia o que queria – se pudesse, moldaria todos os rostos para que fossem feios, só assim estariam mais atentos, não se acomodariam na beleza das paisagens. De agora, olhar calado, Esteves o ensinaria a olhar gritando. Ouvir romances realistas não bastava, limparia seus ouvidos, tiraria a cera a cabo e palavra. Ensinaria a criar o silêncio na leitura, apenas para destruí-lo. E com o pó do produto final, o êxtase. Droga? Tu me oferece drogas? Mas como é burro. Mas pelo menos já estava no final. Esteves se riu. Rosto roto, cínico. Abaixou-se perto do Leitor, ouvia a correria das folhas e

– Não se apresse. Cuidado! As estátuas também morrem… As ESTÁTUAS também morrem!

E se foi. Assim. Acabava assim? Mas onde, onde estava a lição?! Embaixo do viaduto? O Leitor entrara em pânico. Agora voltava as páginas, mas se perdia, em que rua, em que esquina ele virara? O cenário, ainda era cidade? E o tropeço: o deixara no buraco. Oh, Esteves! Mas como era grande! Grande, grande, grande era o buraco. E tão vazio. Por que o empurrara ali? E sozinho, naquele silêncio, naquela compreensão, naquele pó. Chorou. E finalmente a estória se dobrou, se rendeu: o Bar da Tarde, o viaduto, a esquina, o Anúncio no poste, tudo, tudo foi tomado por uma grande inundação. Se Esteves morreu afogado, com ou sem metafísica, não se sabe – mas se foi, assim, esperançado.

Desconversa

Oi? Escutaqui, seu soteropaulistano; seu pau-de-arara urbano, seu vatapá temakizado; seu sujo de barba feita; seu nordeste sem paulo; seu paulo severinado; seu sertanejo de buteco; seu buteco sem sertão; seu kansas atijolado; seu lugar espaçado; seu espaço sem endereço; seu vitrineiro de quatro rodas; seu engana mãe; seu irmão perdido; seu filho abandonado; seu pai ignorante; seu marido sem mulher; seu seu sem sua; seu caça raios; seu corisco artificial; seu lampião eletrônico; seu Manaus desmazonado; seu sul-uruguaiano; seu mato indeciso; seu goiano vendido; seu mineiro bandido; seu tucano-cerrado; seu berimbau terceirizado made in Taiwan; seu bossa afinado; seu Vinícius sem tom; seu Tom sem Zé; seu antropofágico comensurado; seu pão português; seu pastel chinês; seu carro japonês; seu funk de fone; seu jesus de adesivo; seu fura-filas ajuizado; seu lambe-cus revoltado; seu jovem encanecido; seu velho contemporâneo; seu cibernético supranacional; seu auditório de rede; seu facebook intelectual; seu profeta desvinculado; seu partido desideologizado; seu mal abençoado; seu fé no amor; seu deus sem amor; seu amor não existe; seu iludido não nomeado; seu cão sem dente; sua mãe contente, meu irmão ladrão: o papo é que a notícia é história e a lembrança tá quente e o livro tá escrito, mas ninguém leu e a morte já aconteceu, mas ninguém compartilhou e nós vencemos, mas fomos os únicos que curtimos, mas eu disse para e você continuou e você disse liga, mas eu não atualizei a conversa e eu to com sono e eu não fiz, mas se eu dormir, eu posso não acordar. E agora, João? Tu era fabuloso ou fabulista? O dia que eu sonhar que as palavras dão respostas a poesia acaba? Tomaranã que não, que êh êh, que acorde e o dinheiro dê e que seu vire meu, mas sem Soma, sem eurásia, lestásia, oceania, sem pastelão de família, sem formiga cumpridora, sem barata acomodada. Que seu vire meu e meu vire seu e nunca uma coisa seja por si só. Que enterrem Platão, mas deixem o platonismo. Que ergam o rio asfaltado e deixem, ali, como monumento para aquilo que passa como rio, mas já não é. Porque amanhã ainda é uma vida inteira. E meu, tô no atraso. Aloha.

Shanghai, Uma Fotojornada

Demorei muito tempo para rever essas fotos e finalmente ter a paciência para selecionar as 50 melhores, em seu grau de importância. Duas mil ou mais fotos, e me auto incumbi de escolher as que eu achava que me diziam algo. Bom, hoje a China parece pipocar constantemente em nossos ouvidos: nova potência econômica, hipernacionalismo, superpopulação com competição mais extrema do que animal planet, servidão passiva, culinária quase viva, transporte público incrível (nas capitais), capitalismo disfarçado e etc. É possível encontrar tudo isso refletido em Shanghai, uma de suas maiores cidades. De cara, Shanghai lembra muito as grandes capitais econômicas do mundo como São Paulo e Nova York: grandes edifícios, centros culturais incríveis, saturação de informação nas ruas, as luzes, o intenso movimento, sensação de sufocamento nos maiores pontos de comércio, a tentativa de mascarar a miséria e uma grande salada cultural. A diferença é que a salada chinesa carrega uma pitada a mais de tempero asiático, pois tirando os olinhos puxados, hoje, já são tão ocidentais quanto nós. Enfim, essa é uma amostra de um pequeno passeio em Shanghai, uma cidade encantadora que vive de um eterno balanceamento entre o passado, presente e futuro. Seja pelas tampas de bueiro únicas, cada uma estilizada com um traço e carácter diferente, suas ruelas transformadas em vilas ou as próprias pessoas, cada qual querendo se afirmar, buscando um espaço para dizer Sim, eu existo. E estou aqui, a cidade impressiona nos detalhes. 

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Jing’an Temple

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Shanghai Museum

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(Isso não é um shopping, é parte de dentro do Shanghai Museum)

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(homem dormindo na porta da frente do Shanghai Museum, uns cinco minutos depois, seguranças apareceram e chutaram ele para longe)

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Passarela decorativa do metro

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Membros do partido fazendo coleta de lixo (pelo menos parecia)

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Banheiro público

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Espetáculo com macacos na rua

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banheiro feminino no metro

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banheiro em um hotel de luxo

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Todos os taxis em Shanghai possuem uma cabine de isolamento para o taxista, pessoa que mal fala com os passageiros, sério mesmo.

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Feira de… Arranjar Casamento?

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Entrada de um dos metros

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Homem na escadaria do metro

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Shanghai Propaganda Poster Art Center, um lugar difícil de se encontrar perguntando na rua

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Não sei como anda o tribunal de ditados, os que são aceitos ou negados, mas queria aqui lançar dois novos: Por trás de cada foto digital, há outras 20 que saíram péssimas; E em terras estrangeiras, um sorriso vale mais do que um pato à Pequim. (vale muito mais até)

Nota para todos aqueles que pensam em viajar, mas ficam receosos do tempo que perderão com trabalho/aulas: Viaje. O seu tempo de vida apenas irá expandir.